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A DISTRIBUIÇÃO ESPACIAL DO ÍNDICE ESPECTRAL

Um dos objetivos principais, senão o mais importante, na prepara-ção de mapas de céu inteiro é nterpretar o padrão espacial da emissão Galáctico em função de seu espectro. Esta questão é de particular interesse para o componente síncrotron, dado que sua emissividade depende, como veremos a seguir, tanto do fluxo de elétrons relativísticos quanto da intensidade do campo magnético numa dada região da Galáxia. Nesta seção elucidaremos a associação entre as propriedades do meio interestelar e o comportamento espectral da emissão síncrotron.

Mas antes de particularizar nossa abordagem sobre esta questão convém definir os processos de radiação que caracterizam a emissão Galáctica como um todo. Esta se compõe de:


(a)
Radiação síncrotron emitida por elétrons relativísticos espiralando no campo magnético B da Galáxia, cuja intensidade

\begin{equation}
I(\nu) = \int\!\!\!\int P[\nu,{\bf B(l)},E] N(E,{\bf l}) dE dl
\end{equation}

recebe as contribuições da potência espectral $P\propto B^{(p+1)/2}
\nu^{-(p-1)/2}$ de cada elétron de massa $m_e$ e carga $q$ na freqüência $\nu$ ao longo do percurso l até o observador segundo um espectro de energias $N(E)dE = \kappa({\bf l}) E^{-p}dE$, tal que se $\kappa^\prime\equiv \kappa(m_e c^2)^{1-p}$ e $C_{ijk}\equiv q^k/m_e^i
c^j$ ($c$ é a velocidade da luz), então

\begin{equation}
I(\nu) = \sqrt{3} C_{123}\left({3\over
2\pi\nu} C_{111}\...
...\over 2} a^\prime(p)\int\kappa^\prime B^{p+1\over 2} dl\quad ,
\end{equation}

sendo que para uma distribuição isotrópica de alinhamentos entre ${\bf B}$ e o campo de velocidades dos elétrons

\begin{equation}
a^\prime(p) = {\pi\over 2(p+1)}  \Gamma\left({p\over 4} +{1...
...ver 4}\right) \over \Gamma\left({p+7\over 4}
\right)}\quad .
\end{equation}

(b)
Radiação Bremsstrahlung térmica, ou livre-livre, produzida pelo gás ionizado quente (temperatura eletrônica $T_e= 0,\!6$-$1,\!0 \times 10^4$K) e de baixa densidade ($n_e\approx 0,\!3$ cm$^{-3}$) do meio interestelar com intensidade

\begin{equation}
I_{\rm ll}(\nu) = {8\over 3} C_{236} \sqrt{ {2\pi m_e\over
3kT_e}}  g_{\rm ll}(T_e,\nu) \int n_e^2  dl\quad ,
\end{equation}

sendo $k$ a constante de Boltzmann e $g_{\rm ll}(T_e,\nu)$ o fator de Gaunt. Num meio ionizado predominantemente composto de HII ($Z=1$, $n_{\rm HII}\equiv n_i = n_e$), e opticamente fino, o cálculo detalhado do fator de Gaunt mostra que $g_{\rm ll} = (\sqrt{3}/\pi)$ $\ln (p_1/p_2)$, sendo $p_1$ e $p_2$ os limites inferior e superior do parâmetro de colisão entre os elétrons e os íons. O correspondente índice espectral entre as freqüências $\nu_1$ e $\nu_2$ (ambas em GHz) resulta em

\begin{equation}
s_{\rm ll} = \ln\left[{3\ln T_e - 2\ln \nu_1 -{1\over 6} 
...
...ver 6}}\right]
\times\left(\ln{\nu_2\over \nu_1}\right)^{-1}.
\end{equation}

(c)
Radiação térmica da poeira, que emite como um corpo cinza à temperatura $T_{\rm cc}$ com intensidade

\begin{equation}
I_{\rm cc}(\nu) = B_\nu(T_{\rm cc})\int \alpha(\nu,{\bf l}) dl\quad ,
\end{equation}

sendo que a integral do coeficiente de absorção $\alpha(\nu,{\bf l})$ é a opacidade do meio ($\ll 1$) e $B_\nu$ é a função de Planck.

A Figura 8 mostra a relação de intensidades em unidades de temperatura de antena entre estes componentes e um corpo negro com a temperatura da Radiação Cósmica de Fundo (para maiores detalhes, veja a seção 1.3.2).

Figure: Espectro dos componentes da emissão Galáctica comparado com o da RCF entre 408MHz e 1.000GHz. A largura das respectivas bandas evidencia a variação esperada dos componentes Galácticos com a latitude ($15\ifmmode^\circ\else\hbox{$^\circ$}\fi  \raise 0.25ex\hbox{$<$}\hskip -0.65em...
...\hbox{$\scriptstyle\sim$}\hskip 0.2em 70\ifmmode^\circ\else\hbox{$^\circ$}\fi $) segundo um modelo de camadas plano-paralelas em relação ao Plano Galáctico.
 

Observacionalmente, o espectro do componente não-térmico se torna mais inclinado com a freqüência. Webster (1971) mediu o espectro da emissão Galáctica em regiões próximas ao Pólo Norte Galáctico ($b>70\ifmmode^\circ\else\hbox{$^\circ$}\fi $ e $b>50\ifmmode^\circ\else\hbox{$^\circ$}\fi $ para $50\ifmmode^\circ\else\hbox{$^\circ$}\fi <l<90\ifmmode^\circ\else\hbox{$^\circ$}\fi $ e $b>30\ifmmode^\circ\else\hbox{$^\circ$}\fi $ para $70\ifmmode^\circ\else\hbox{$^\circ$}\fi <l<90\ifmmode^\circ\else\hbox{$^\circ$}\fi $) e ao anticentro Galáctico ($15\ifmmode^\circ\else\hbox{$^\circ$}\fi <b<50\ifmmode^\circ\else\hbox{$^\circ$}\fi $ para $l=180\ifmmode^\circ\else\hbox{$^\circ$}\fi \pm 40\ifmmode^\circ\else\hbox{$^\circ$}\fi $), que se identificariam com emissões características da região intermediária entre braços espirais da Galáxia (com aproximadamente metade da emissão proveniente do halo) e do braço espiral local, respectivamente (Figura 9). Os dois espectros mostram uma variação no índice $s\equiv(p-1)/2$ da Equação (4), tal que $s_{(\nu\raise 0.26ex\hbox{$\scriptscriptstyle <$}\hskip -0.5em \raise -
0.45ex\hbox{$\scriptscriptstyle\sim$}\hskip 0.2em200{\rm  MHz})} = 0,\!4$ e $s_{(\nu\raise 0.26ex\hbox{$\scriptscriptstyle >$}\hskip -0.5em \raise -
0.45ex\hbox{$\scriptscriptstyle\sim$}\hskip 0.2em400 {\rm 
MHz})} = 0,\!8 $-$ 0,\!9$.

Figure: Espectro da emissão Galáctica nas regiões do anticentro (I) e do Pólo Norte Galáctico (II). As unidades no eixo da intensidade são $10^{-17}$ergs$^{-1}$ cm$^{-2}$Hz$^{-1}$sr$^{-1}$ ou, equivalentemente, $\simeq 3,\!25\times 10^5$K (Fonte: Adaptada de Longair (1994a), p. 263).
Image fig9

Kallas et al. (1983) utilizaram o mapa de Haslam em 408MHz e e mais dois mapeamentos parciais do Hemisfério Norte, o de Berkhuijsen (1972) em 820MHz e o de Reich (1982) em 1420MHz, para investigar a distribuição do índice espectral na região do anticentro Galáctico entre Cassiopéia e Perseus. Após convoluirem os mapas em 408MHz e 1420MHz para a resolução de $1,\!2\ifmmode^\circ\else\hbox{$^\circ$}\fi $ do mapa de Berkhuijsen, eles extraíram o componente do contínuo isento de fontes discretas e de esporas e constataram que esta região apresenta um espectro com uma inclinação acentuada. Denotando de $\beta_{[\nu_1,\nu_2]}$ o índice espectral1 determinado entre as freqüências $\nu_1$ e $\nu_2$, eles encontraram índices médios $\bar\beta_{[408,820]}=2,\!70\pm0,\!05$, $\bar\beta_{[408,1420]}\sim2,\!85$ e $\bar\beta_{[820,1420]}\sim3,\!05$. Como o índice espectral das regiões isentas de estrutura no padrão espacial do contínuo não-térmico (componente de fundo em grande escala) é $\approx2,\!7$, sua filtragem permitiu, ainda, identificar um componente de espectro com $\beta_{[408,1420]}\sim3,\!1$ e $\beta_{[820,1420]}\sim3,\!5$. Em termos do mecanismo de radiação síncrotron, a constituição do meio interestelar na vizinhança solar se mostra, como veremos a seguir, particularmente atraente para explicar esta peculiaridade do espectro.



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Carlos Alexandre Wuensche - Criado em 2005-06-02